domingo, 9 de dezembro de 2012
COMENTARIOS DE ANTIGOS CONTRABANDISTAS DO SOITO
Encontram-se inseridos no livro CARREGOS de António Cabanas (2006), testemunhos de velhos contrabandistas, entre os quais, alguns, naturais do Soito.
Muito se tem escrito e lido em livros, revistas e jornais regionais, sobre o tema contrabando, na raia do Ribacôa, nomeadamente Nuno de Montemor em Maria Mim, Joaquim Manuel Correia em Terras de Ribacôa e Leal Freire em Ribacôa em Contra Luz e em Contrabando
Assim, começo pelo 1º comentário de Xico Balau do Soito:
“Eu explico-lhe. Havia cá dois ou três fascistas, que não tinham outro nome, como o pai do Hitel e faziam acusos. Nós comprávamos o Azeite a 7$50 e vendíamo-lo a 11 ou 12 escudos e eles queriam 15 escudos por litro do azeite que produziam, a gente se fosse trabalhar para eles, ganhava 12 ou 15 escudos, era um dia por um litro de azeite! Era a vida...Um gajo andava a trabalhar toda a semana, para ganhar 90 paus e quando ia a Espanha, ganhava isso numa noite. Por isso é que eles acusavam e se queixavam à Guarda-fiscal, perdiam o negócio e perdiam os trabalhadores"
“Comprei um odre novo porque o que tinha já vertia muito e também comprei uma saca nova. Hoje há por aí sacas aos pontapés, mas naquele tempo até as sacas se compravam. A primeira vez que fui com a saca e o odre novos, logo me apanharam. Fiquei muito desanimado.”
João Rato do Soito "Para nós era melhor que fosse proibido, ganhava-se muito dinheiro. Aqui, na Raia perdeu-se muito em terem acabado com isso. Eu, já não andei no gado, que já o tinha largado; mas com as cabras e ovelhas, ganhava-se muito dinheiro. Todos os dias, passavam aqui carradas de gado. Agora, acabou-se tudo. Nunca devia ter acabado. Aqui, na raia, era a melhor vida que havia. Agora qualquer um lá vai carregar"
"Nós tínhamos os guardas-fiscais e os carabineiros, tudo comprado! está a compreender? quando levávamos assim muito, tínhamos tudo comprado...Nós combinávamos era com os mais baixos. Eles lá dividiam uns pelos outros. Houve tempo que eu ia todas as noites a levar uma cartinha a um guarda dos Foios. Metia-lha por baixo da porta, para ele saber onde íamos passar ao outro dia. Sempre bateu certo.Eu combinava com ele, mas teriam que ser mais alguns. Ele lá fazia as coisas com os outros, para irem para outro lado"
“Nós e os Nabais éramos os mais fortes cá do Soito. Nós chegamos a mandar em 500 homens. Eles, com medo que a gente não os chamasse à outra vez, eram humildes (…) mas ainda ninguém falava em greves e aqui no Soito já havia greves em 1953. 1954 e 1955. Iam 300 ou 400 homens, o primeiro da frente ou o segundo pousavam o carrego e diziam: Queremos mais 25 tostões. Uma vez, chegaram a voltar 5 km para trás para lhe pagarmos mais meio litro de vinho! A gente pagava-lhe meio litro na taberna e eles queriam o litro inteiro e tivemos que lho dar. Começavam. Greve, greve, greve!”
Rato do Soito “Às vezes enganávamo-los.Olhe, uma vez tive aí um bom negócio, de ovos, num mês passei 45 mil dúzias para Espanha. Cá, os ovos eram quase dados. Nunca ganhei tanto dinheiro! Andava a fazer a Discoteca, aparecia aí o gajo dos ovos a trazer-mos a 4 ou5 a dúzia, tratei com o espanhol!... Os ovos aqui não eram considerados contrabandos, era só da estrada para lá um bocadinho, cerca de 5 ou 10 minutos.Passavam-se da minha carrinha para a do espanhol em 5 minutos. Ele arriscava do lado de lá, eu do lado de cá. Um dia apareceu-me aí um guarda-fiscal, um patego, já eu vinha com a carrinha descarregada. Você o que anda para aqui a fazer? Nada, o que é que você tem a ver com isso? Da próxima vez já se vê. Da próxima vez levei duas carrinhas, uma foi lá à frente a bater o ponto, a outra ficou cá a trás, carregada em zona permitida. Lá estava o gajo Mas o que é que você quer? -perguntei-lhe eu. Disse-me ele: quero ganhar algum. Quanto? Tem que me dar dez contos. Dez contos, não ganho eu, tome lá cinco. Ficou todo contente e logo fugiu por ali abaixo. Combinei com ele dar-lhe dois contos e meio de cada vez, nas próximas passagens. Depois abalou dali, ainda lhe fiquei a dever duas ou três passagens.”
José Mege do Soito “Nós sabíamos bem! Eles estavam lá a contar a gente, ganhavam consoante os que passavam. O patrão ficava lá com eles a pagar e o cordão seguia. Uma vez, os guardas estavam deitados numa feteira e eu, sem querer, pisei-lhes a cama. Eles até pensavam que era o patrão. Depois viram quem era, mandaram-me seguir e que me calasse”
Lito do Soito “Eu cheguei a ir a Ciudad Rodrigo, carregar a mala do carro, passava a fronteira e nem parava, estava tudo controlado o individuo estava lá, a gente já sabia que ele entrava àquelas horas e a gente chegava,”Passa!”Era para lá e para cá. Estava tudo combinado, funcionava sempre”.
“Na Espanha, também não se podia contrabandear, mas tudo o que interessasse a Espanha, eles não tiravam. Nós negociávamos em Espanha, comprávamos o que queríamos e os espanhóis deixavam-nos vir à vontade, os carabineiros escondiam-se para a gente passar, porque era do interesse deles.”
“Uma vez, eu estava de relações cortadas aí com um indivíduo da terra e estava à espera de um camião de tabaco, ali no cruzamento para o Soito. Aparece-me a Guarda- fiscal do Porto, que houve uma altura que eles já não confiavam aqui na Guarda-fiscal da zona e mandavam brigadas de fora aqui a fazer serviço. Eu arranquei com os indivíduos, eles arrancaram no meu encalço e despistei-os. Encontrei um colega de contrabando que não falava comigo e eu sabia que ele estava à espera de um camião de tabaco. Cheguei junto dele, eram umas 4 da manhã, quando me viu ir direito a ele até pensou que o ia agredir. Eu disse-lhe: Ó Germano, olha que a Guarda-fiscal esta em tal sítio, portanto desenrasca-te.
Só me disse obrigado. O inimigo era comum. Isto porquê? Porque quanto mais serviço a Guarda-fiscal fizesse mais andava em cima de nós. Se andassem aí 2 ou 3 meses sem apanharem nada pensavam: Não há nada., já acabou. Portanto, havia todo o interesse em que a Guarda-fiscal não se apercebesse das coisas.”
“Concorrência havia sempre, onde haja dois indivíduos a fazer o mesmo tipo de negócio, já se sabe que há sempre concorrência; simplesmente, havia um inimigo comum que era o fisco e isso gerava uma certa solidariedade. As pessoas protegiam-se umas às outras, coisa que hoje não acontece. Aqui no Soito havia muita solidariedade; mas em Quadrazais, por exemplo, já se denunciavam uns aos outros
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